Dentro da rica cultura da religião Yorubá, mais especificamente na Santeria, existe uma cerimônia especial chamada Mão de Orunmilá. Esta é uma cerimônia de iniciação, um marco importante na jornada espiritual de um indivíduo.
Durante essa cerimônia, cada pessoa descobre o seu anjo da guarda, também conhecido como seu Orixá tutelar. É uma ocasião sagrada e profundamente pessoal, repleta de significado e propósito dentro do contexto da fé Yorubá.
O que é a Mão de Orunmilá?
A Mão de Orunmilá é uma cerimônia de iniciação na qual os novos participantes são introduzidos aos mistérios do culto de Ifá. Para as mulheres, esse rito é conhecido como Ikofafun, enquanto para os homens é chamado de Awofakan.
Esse é o primeiro passo na jornada dentro de Ifá, onde se descobre o odu (signo de ifá) que governa o destino individual de cada pessoa. Durante essa cerimônia, os iniciados recebem Eleguá, Os Guerreiros, Ozun e a mão de Ifá, que são os ikines (sementes) que constituem a base de Orunmilá.
Além do mais, durante essa cerimônia também ocorre a identificação do Orixá protetor do iniciado, comumente referido como “anjo da guarda”. Nesse contexto, o santo que Orunmilá determina é visto como uma figura parental no plano espiritual.
É daí que surge a identificação dos praticantes da Santeria como filhos dos Orixás, portanto, é comum ouvir expressões como “eu sou filho de Xangô” ou “eu sou filha de Yemanjá”.
A cerimônia de iniciação do culto a Ifá
A cerimônia conhecida como Mão de Orunmilá, é um evento de três dias conduzido por líderes espirituais chamados Babalawos. Ao longo desses dias, uma série de rituais e sacrifícios são realizados com o propósito de purificar, realçar a energia positiva e estabelecer alicerces de proteção para aqueles que estão sendo iniciados.
Embora não seja possível descrever cada passo ou sacrifício individual em detalhes, podemos fornecer uma visão geral do significado e do propósito de cada dia da cerimônia.
Dia da Consagração ou Lavatório
No primeiro dia da consagração de Ikofafun e Awofakan, uma jornada espiritual começa com respeito e apreciação. Durante essa fase inicial, reconhecemos e pedimos bênçãos aos Egun, nossos amados espíritos ancestrais. Logo em seguida serão fundamentados e consagrados os Orixás que serão entregues aos iniciados.
Cada Orixá recebe sacrifícios apropriados, um gesto de reverência e dedicação, estabelecendo assim um vínculo espiritual profundo entre o indivíduo e o Orixá que irá nascer.
Dia do Meio
O “dia do meio” recebe esse nome porque faz a ponte entre o dia da consagração, ou lavatório, e o dia de ita. Quem está passando pelo processo de receber a Mão de Orunmilá visita a casa do Babalawo – o líder espiritual que está conduzindo a consagração. O propósito desta visita é realizar uma rogação de cabeça.
Este é um ritual importante que serve para alimentar o Ori, ou seja, a mente ou cabeça do iniciado, e para alinhar seu destino. É uma etapa essencial do processo, pois prepara a pessoa para o Ita, que será realizado no dia seguinte.
Este “Dia do Meio” é um momento de reflexão e preparação, onde o iniciado se conecta mais profundamente com sua jornada espiritual e se prepara para os eventos importantes que estão por vir. É um tempo de nutrição espiritual, de alinhamento pessoal e de antecipação respeitosa.
Dia do Ita
O último dia desta cerimônia pode ser considerado o mais significativo. É neste dia que os iniciados se apresentam diante de Orunmilá para uma sessão de adivinhação. Neste momento sagrado, o Signo da Mão de Orunmilá é revelado.
Durante este processo, conhecido como Ita, também é determinado o anjo da guarda da pessoa, que é o Orixá que eles precisarão consagrar no futuro. Este é um momento de grande revelação e orientação divina.
Ao concluir a cerimônia, os Babalawos, com sua sabedoria e autoridade espiritual, entregam aos novos iniciados os Orixás e explicam seu significado e como devem ser cuidados. Eles também colocam o colar e o ilde de Orunmilá, símbolos tangíveis de sua nova jornada espiritual.
Este último dia marca o culminar de uma jornada intensa e transformadora, proporcionando aos iniciados uma compreensão mais profunda de sua conexão com o divino e orientações para seu caminho espiritual futuro.
O ilde de Orunmilá
O idefá, também conhecido como ilde, é mais do que uma simples pulseira para os seguidores da fé de Ifá. Esta peça de joalheria representa um pacto sagrado entre Orunmilá, a divindade da sabedoria, e Ikú, a personificação da morte.
O acordo simbolizado por este objeto consagra a promessa de que a morte não pode levar um filho de Orunmilá antes do tempo designado.
Na tradição afro-cubana, conhecida como Santeria, essa pulseira é confeccionada em cores vibrantes de verde e amarelo. No Ifá nigeriano, por outro lado, as cores escolhidas são variações de verde e tons de marrom ou caramelo.
O que acontece quando a Mão de Orunmilá se rompe?
“Mão de Orunmilá” é um termo que se refere à cerimônia de iniciação no culto de Ifá, embora também seja comumente usado para descrever o bracelete sagrado conhecido como ilde ou idefá. Se essa pulseira se romper, é considerado um sinal de aviso.
Este sinal pode indicar má sorte ou sugerir que uma situação negativa, possivelmente relacionada à morte, pode estar se aproximando. Se isso acontecer, é aconselhável procurar imediatamente um Babalawo – um sacerdote de Ifá. Ele pode realizar uma sessão de adivinhação para decifrar o exato aviso que Orunmilá está enviando.
Depois disso, o Babalawo pode orientar sobre as ações e sacrifícios necessários para evitar qualquer adversidade prevista. Isso reforça a importância de estar em sintonia com esses sinais e ter uma resposta proativa, demonstrando respeito e deferência às orientações espirituais recebidas.
História: Orunmilá usa o ilde para marcar seus filhos e protegê-los da morte
Ikú, a personificação da morte, estava determinada a reivindicar Orunmilá. Observando-o atentamente, ela esperava que ele engordasse, tornando-se assim menos capaz de se defender. Enquanto estava em sua casa, Orunmilá realizou uma adivinhação e o signo revelado foi Oshe Fun.
Seguindo a orientação de Ifá, ele espalhou a baba de quiabo na entrada de sua casa. Quando Ikú tentou entrar na casa, escorregou na baba de quiabo que Orunmilá havia espalhado conforme a recomendação de Ifá. A queda fez um barulho forte, chamando a atenção de Eleguá, Ogun e Xangô. Ao vê-la, eles rapidamente a capturaram.
Para garantir sua liberdade, Ikú teve que prometer que nunca mais buscaria Orunmilá nem qualquer um de seus filhos. Ela destacou que todos os filhos de Orunmilá usam uma pulseira verde e amarela (idefá) na mão esquerda.
Esta história ilustra a importância de seguir as orientações divinas e a proteção que elas podem oferecer. Além do mais, destaca o significado da pulseira idefá como um símbolo de proteção contra a morte prematura.
Diferenças entre a Mão de Orunmilá para Mulheres e para Homens
Em seu coração, a cerimônia da Mão de Orunmilá é um ritual que une todos os gêneros. É uma experiência sagrada projetada para nos conectar com a sabedoria e orientação de Orunmilá, uma experiência verdadeiramente única.
Mas, como em qualquer família grande e diversificada, existem algumas diferenças delicadas. No caso das variantes específicas do Ikofafun e do Awofakan, há pequenas variações, mas nada que mude o significado central ou a beleza deste rito.
Ikofafun: Cerimônia da Mulher
A cerimônia da Mão de Orunmilá para mulheres, também referida como Ikofafun, representa uma bela união sagrada entre Orunmilá e a Obini (mulher). Este rito significativo eleva a mulher ao respeitado papel religioso de Apetebi.
Dentro da tradição afro-cubana, este é o mais alto posto que uma mulher pode ter dentro do culto de Ifá, destacando o grande respeito e a importância que lhe são concedidos.
O número de ikines incluídos no Ikofafun de uma mulher pode ser 1, 2 ou 16, dependendo da casa ou rama de Ifá em que ela está sendo iniciada. Além do mais, a quantidade de sementes pode variar dependendo do signo revelado durante a cerimônia da Mão de Orunmilá.
Este fato realça o quão personalizada e significativa esta cerimônia realmente é, adaptando-se às circunstâncias individuais e ao caminho espiritual de cada pessoa. É um processo meticulosamente orquestrado e profundamente reverente, garantindo que cada aspecto esteja perfeitamente alinhado com as orientações divinas.
Awofakan: Cerimônia do Homem
A cerimônia da Mão de Orunmilá para homens, também chamada de Awofakan, é um marco importante na jornada espiritual rumo a Ifá. Este ritual sagrado é muitas vezes visto como um passo preliminar antes da consagração completa em Ifá.
Ele oferece a Orunmilá a oportunidade de determinar se o indivíduo tem a vocação ou autoridade necessária para mergulhar nos mistérios profundos de Ifá.
O Awofakan envolve 19 ikines, que são sementes sagradas usadas durante a cerimônia. Destas, 16 têm um papel específico na adivinhação, enquanto as outras 3 servem como testemunhas do processo.
Benefícios de receber a Mão de Orunmilá
Ao receber a Mão de Orunmilá, você pode esperar uma abundância de benefícios que afetam tanto o seu bem-estar espiritual quanto pessoal. Esta iniciação não só influencia aspectos religiosos da sua vida, mas também pode ter um impacto positivo nas suas áreas social e econômica.
É como se um novo alinhamento astral acompanhasse esta iniciação, trazendo mudanças e progressos em várias facetas da sua existência.
- Ao iniciado são realizadas diversas obras e limpezas que ajudarão a melhorar sua estabilidade espiritual.
- Ao receber Orunmilá, você reconhecerá quem é o anjo da guarda ou Orixá tutelar que rege sua vida.
- Conhecerão qual é o signo que os rege e os Babalawos farão interpretação dos signos para dar os conselhos correspondentes.
- Saberão qual é o caminho correto a seguir tanto no espiritual quanto no material.
- Lhes serão entregues os fundamentos dos Orixás: Eleguá, Os Guerreiros, Ozun e, claro, Orunmilá. Assim, poderão realizar atenções e orações diretamente às deidades.
- Serão colocados o ilde e o colar de Orunmilá, uma grande proteção.
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Que Orixás se recebem nesta cerimônia?
Um dos aspectos fundamentais da iniciação é receber Os Guerreiros, que têm a função de proteger a pessoa de guerras, bruxarias e situações conflitivas. Também geram bem-estar às pessoas que os recebem e os atendem.
Eleguá
Eleguá, uma divindade altamente reverenciada, é frequentemente a primeira a ser homenageada. É uma prática comum dedicar-se às segundas-feiras a Eleguá, com o intuito de atrair uma semana repleta de prosperidade e desenvolvimento.
Para demonstrar respeito a Eleguá, a representação desta divindade é frequentemente untada com azeite de dendê e mel, além de ser exposta à aguardente e à fumaça de tabaco.
Adicionalmente, são realizadas oferendas que incluem doces, peixes assados, frutas, milho torrado. Essas práticas visam honrar Eleguá e buscar suas bênçãos para uma semana produtiva e em constante evolução.
As oferendas e rituais são um sinal de respeito e reverência à divindade, fortalecendo o compromisso do indivíduo com o seu crescimento espiritual.
Os Guerreiros (Ogun e Oxóssi)
Ogun e Oxóssi, moram junto em uma panela de ferro, são invocados com o propósito de nos proteger de situações negativas. Pedimos a eles que nos guardem contra qualquer injustiça.
Acendemos velas, sopramos aguardente, e untamos tanto os Otás (Pedras) quanto as ferramentas com azeite de dendê.
Vale lembrar que Eleguá, Ogun e Oxóssi residem atrás da porta, servindo como guardiões e protetores. Esta é uma prática que simboliza nossa conexão contínua e respeitosa com essas divindades, reafirmando nosso compromisso com a harmonia espiritual e o bem-estar pessoal.
Ozun (O Galinho)
Ozun é um Orixá que simboliza estabilidade, consistência e a habilidade de superar desafios. Ele é frequentemente referido como o guardião de Orunmilá, servindo como um alerta para as pessoas quando uma situação negativa está prestes a ocorrer.
Para prestar homenagem a Ozun, que deve ser feito uma vez por mês, começamos ungindo nossas mãos com manteiga de cacau e efun. Em seguida, o esfregamos enquanto fazemos pedidos de bem-estar. Adicionalmente, espalhamos arroz cru ao redor e podemos colocar um cacho de uvas em cima.
Por favor, note que as mulheres não devem prestar homenagem a nenhum Orixá durante o período menstrual.
Como se atende Orunmilá?
Orunmilá desempenha um papel significativo em nossas vidas, e por isso é essencial saudá-lo. Ajoelhe-se diante de seu assentamento e falamos as palavras: “Orunmilá Iboru, Iboya, Ibosheshe”. Pedimos suas bênçãos e expressamos gratidão por mais um dia de vida.
Para prestar respeito a Orunmilá. Normalmente, fazemos isso pela manhã, mas é crucial que estejamos em um estado de pureza, recém-banhados, sem ter consumido álcool ou participado de atividades sexuais nas últimas 24 horas.
É recomendável vestir-se de branco, com as mulheres optando por uma saia ou um vestido. Essas práticas nos ajudam a manter um relacionamento respeitoso e reverente com Orunmilá, ao mesmo tempo em que demonstram nossa dedicação ao nosso crescimento espiritual.
Passos para atender a Orunmilá
- Coloca-se uma esteira no chão (deve estar limpo).
- Acendem-se duas velas brancas e colocam-se à direita e à esquerda da esteira.
- Colocamos Orunmilá no centro da esteira, saudamos de joelho e beijamos a esteira.
- Sentamos e procedemos a abrir o receptáculo de Orunmilá.
- Untamo-nos com azeite de dendê (epo) e mel (oñi) nas mãos e procedemos a tirar os ikines (sementes) e o otá (pedra).
- Começamos a esfregar Orunmilá em nossas mãos e vamos soprando nosso fôlego enquanto pedimos por nossa saúde, bem-estar, estabilidade econômica, amor, etc.
- Após terminar nossas petições, Orunmilá é colocado de volta em seu receptáculo, sopramos aguardente.
- Fechamos o receptáculo e beijamos a esteira três vezes enquanto agradecemos a Orunmilá por ouvir nossas petições.
- As velas são deixadas acesas até que se consumam por completo.
- As mulheres não devem atender Orunmilá durante o período menstrual.
Oração para atender a Orunmilá
Enquanto gentilmente esfregamos os Ikines e sopramos nossa respiração sobre eles, podemos recitar a seguinte prece:
“Meu pai, aqui estou – eu, (seu nome completo e odu de Mão de Orunmilá) – prestando minha homenagem à sua grandiosidade e sabedoria. Aproximo-me de você com um pedido: que você afaste de mim e da minha família qualquer adversidade.
Peço que a morte, a doença, a perda, a maldição, a bruxaria, a magia negra e qualquer energia negativa jamais nos atinjam. Orunmilá, peço que me ajude, abrindo meus caminhos e trazendo o Ire da prosperidade, da saúde e todos os benefícios que a vida pode oferecer.
Que essas bênçãos possam se enraizar em mim, na minha casa e na minha família. Ashe! Orunmilá Iboru, Iboya, Ibosheshe.” Esta oração é uma maneira respeitosa e significativa de se conectar com Orunmilá, pedindo proteção, orientação e bênçãos para si mesmo e para os entes queridos.
Conclusão
A cerimônia da Mão de Orunmilá, dentro da rica tradição da religião Yorubá, é muito mais do que um simples ritual de iniciação. É um mergulho profundo nos mistérios do culto de Ifá, uma jornada espiritual que revela o destino individual de cada pessoa e estabelece uma conexão íntima com os Orixás protetores.
Ao longo dos três dias dessa cerimônia intensa, os iniciados são guiados pelos Babalawos, líderes espirituais que conduzem os rituais de purificação, consagração e adivinhação. Ao final, emergem não apenas com uma compreensão mais profunda de sua própria espiritualidade, mas também com uma sensação renovada de propósito e proteção divina.
A Mão de Orunmilá é mais do que um evento ritualístico; é um marco crucial na jornada espiritual de cada indivíduo, uma porta de entrada para um mundo de sabedoria ancestral e orientação divina.
Apaixonada pela cultura Yorubá e Bantu. Minha jornada é dedicada à exploração da espiritualidade ancestral, mergulhando nas ricas tradições dos Orixás e na sabedoria que conecta nosso passado ao presente. O Templo Lukumi é meu espaço para compartilhar insights sobre mitologia, rituais e a influência contínua dessas tradições em nossa vida moderna.